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Espiritualidade

O cultivar da insegurança

"Espelho meu - A leitura diária do Evangelho pode mudar a vida", de Gabriel Magalhães, é o novo volume da coleção "Poéticas do viver crente" que a Paulinas Editora lança a 18 de fevereiro nas livrarias.

O Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura continua a apresentar excertos da obra, que podem ser lidos nos textos indicados em "Artigos relacionados".

 

O cultivar da insegurança

Uma das palavras que nós mais ouvimos, na vida contemporânea, é a palavra «segurança». Este é um termo discreto, pouco cromático, e a verdade é que se esconde bastante bem - de modo que, embora estejamos quase sempre a escutá-lo, acabamos por não lhe dar muita atenção. De qualquer modo, fala-se na «segurança rodoviária», na «segurança social», na «segurança no trabalho» - e estas são apenas algumas das ocorrências de um vocábulo que parece estar na matriz da nossa forma de falar, da nossa forma de pensar mais atual.

Com efeito, não seria errado dizer que o homem contemporâneo substitui a Fé pela Segurança. De facto, é isto que eu vejo em muitos dos meus alunos: todos tomados pelo desejo de terem um «emprego fixo», um «lugar estável». É também o que eu vejo em mim próprio: durante muitos anos, procurei uma relação vincular com a Universidade. Durante muito tempo, também eu quis a minha segurança.

Talvez fosse útil citar aqui alguns provérbios, e entre eles: «O seguro morreu de velho. Mas, na verdade, encontramo-nos perante um péssimo negócio espiritual. Quando as pessoas alcançam estas seguranças, normalmente de natureza profissional, surgem outros problemas de que não estavam à espera: problemas de saúde, ou familiares. Existe toda uma panóplia de acasos e acidentes que acabam por nos desconstruir as estabilidades criadas.

E é nessa altura que se descobre que a insegurança é a nossa condição. Que somos inseguros por natureza, e que essa insegurança é, por assim dizer, a nossa pátria. Toda a luta do homem contemporâneo pela sua estabilidade, por aquilo a que chama «segurança», constitui uma imensa batalha perdida - e dá uma certa pena ver os outros, ver-me a mim mesmo a construir castelos de areia que a mais mínima onda existencial deitará irremediavelmente por terra.

Jesus propunha algo diferente. ( ... ) Dizia aos Apóstolos que, quando partissem, não levassem nem calçado, nem mochila: nada a não ser a sua Fé (Lucas 10,4). O que o Salvador pretendia é que eles aprofundassem este sentimento de entrega a Deus, de confiança em Deus. Depois, com os anos, aprende-se uma coisa: os caminhos das seguranças humanas são um labirinto sem fim, entra-se e nunca mais se encontra uma límpida saída. Pelo contrário, este entregarmo-nos a Deus vai fazendo a nossa vida florescer. E há um momento em que a nossa biografia chega a uma energia, a uma felicidade avassaladoras.

As pessoas têm hoje com os seus empregos uma relação excessiva - e, em certo sentido, corruptora. Deixam -se escravizar por eles. A essa escravidão, por vezes, dá-se o nome de «competência». A «competência» é uma coisa boa em si, na medida em que serve o outro. Mas há uma dimensão dela que é já medo: puro medo. Medo multiplicando-se em medo. E isso é negativo. Devemos ser competentes e livres: estar sempre dispostos a todas as partidas. (...)

Convido as pessoas a fazerem pequenas experiências de insegurança, só para experimentarem. A ideia é a de que se libertem de alguns cadeados da nossa vida quotidiana. De alguns daqueles rituais que nos fazem sentir seguros.

Se assim procederem, recomeçarão a descobrir a própria liberdade, a própria felicidade. E perceberão também que Deus os ampara, ali, onde parecia que estavam completamente desamparados. O Senhor quer que nós aprendamos a voar. Por isso, às vezes abre imensos abismos sob os nossos pés - cada vez que os descobrimos é no nosso voo que devemos pensar: não na nossa queda. Tudo o que nos acontece de pior na vida é um leve empurrão divino para tomarmos consciência das nossas asas.

Fui tão infeliz sempre que construí um percurso de cálculos e de seguranças. Tão, mas tão infeliz. E o pior é que esses percursos são como um vício. Uma pessoa continua e continua a tentar resolver um problema que não para de se complicar. É uma coisa horrível. Uma espécie de pesadelo sem fim, de pesadelo de que não conseguimos, de modo nenhum, acordar. Transformar a vida num jogo de xadrez põe a nossa alma em forma de tabuleiro. Não queiram isso.

Pelo contrário, sempre que me entreguei a Deus, a felicidade veio - e a alegria e a leveza de estar vivo. Deixei ficar para trás os cálculos, as ponderações cobardes: dei a minha vida ao Senhor - e ela abriu-se, como se fosse uma flor. E os meus dias cresceram e ficaram imensos.

 

Gabriel Magalhães
In Espelho meu, ed. Paulinas
© SNPC | 14.02.13

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Capa

Espelho meu

Autor
Gabriel Magalhães

Editora
Paulinas

Ano
2013

Páginas
128

Preço
9,90 €

ISBN
978-989-673-286-8

 

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