Exortação "A alegria do Evangelho" «é uma espécie de "Livro do Desassosego" para a Igreja e «crítica profunda» ao capitalismo
A exortação "Evangelii gaudium" (A alegria do Evangelho) apresenta uma «proposta profética» para a sociedade contemporânea, enquanto que o «interior da Igreja é uma espécie de "Livro do Desassossego"», considera o diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.
O texto «é um manual para desinstalar e desassossegar a própria Igreja, para a acordar e colocar mais num espírito de missão, ligada ao essencial, à procura da verdade, um espírito de uma desconcertante simplicidade», afirmou o padre José Tolentino Mendonça em entrevista publicada esta quarta-feira no "Jornal de Letras" (JL).
«O que parece ser a fatalidade dos mercados que nos governam, das lógicas económicas que condicionam todos os povos, toda a existência social, é na realidade uma ditadura contra a qual precisamos de nos rebelar», sublinha, acrescentando que é preciso «corrigir» o «mundo mercantilista» que «amordaça e sufoca o justo desenvolvimento, as expetativas legítimas das pessoas e dos povos».
Na mesma edição do JL, a teóloga Teresa Toldy escreve um artigo de duas páginas sobre a exortação que também se centra na «crítica profunda que o papa faz às sociedades capitalistas de consumo, e ao próprio capitalismo».
Para Teresa Toldy, «será, no mínimo, redutor e "silenciador" da novidade do documento dizer que Francisco se limita a repetir o que a Igreja, na sua Doutrina Social, diz desde Leão XIII», ou que é «maravilhoso» o facto de existir «uma sequência de papas que vêm sempre dizendo o mesmo».
«Francisco não faz uma crítica às sociedades atuais como se os católicos estivessem todos do lado "desejável" e as iniquidades "deste mundo" se devessem a uma "vontade de injustiça" assumida apelas pelos não crentes. Como ele próprio diz: "Não nos façamos de distraídos. Há muito de cumplicidade" (n.º 211), cumplicidade face à escravidão, ao trabalho clandestino, à prostituição, às crianças exploradas na mendicidade, ao crime "mafioso e aberrante" (idem), às mulheres que sofrem situações de exclusão, de maus-tratos e violência, às crianças por nascer, ao conjunto da criação (n.º 212).»
Na exortação, «por muito que a dureza da sua linguagem custe, inclusivamente a muitos católicos, afirma claramente que o lugar dos crentes ao lado dos pobres não é facultativo - é o sinal de uma fé autêntica», realça Teresa Toldy.
A teóloga lê «nas entrelinhas» do texto «uma crítica à crítica e perseguição às teologias da libertação»: «De contrário, como interpretar estas palavras do papa Francisco, referindo-se à opção da Igreja pelos pobres, inscrita em textos bíblicos? "É uma mensagem tão clara, tão direta, tão simples e eloquente, que nenhuma hermenêutica eclesial tem direito de a relativizar"».
O artigo de Teresa Toldy termina com a posição de Rush Limbaugh, uma das figuras mais importantes do "Tea Party", nos EUA, que acusou o papa «de ser marxista, por criticar radicalmente o capitalismo».
«Segundo o "Huffington Post"; corre neste momento uma petição entre os católicos americanos exigindo que Rush Limbaugh peça desculpa. (...) Até agora, tenho visto pouca reação dos católicos portugueses ao documento. Curiosamente, algumas das que tenho visto, criticam as leituras ao mesmo que realçam a contundência no papa no apelo às mudanças estruturais que aqui referi. Curioso, no mínimo...»
In Jornal de Letras, 11.12.2013
11.12.13

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