O cristianismo como estilo
1.
A especificidade da experiência cristã não é traduzível num enunciado de ideias-fortes, nem num pensamento, embora estes existam. O que o cristianismo representa é uma pessoa em carne e osso, da qual se faz a mais genérica e incisiva das proclamações: “Eis o Homem!”. Qualquer filosofia cristã, por mais inspiradora que seja, não se pode sobrepor à autobiografia. É uma “história de homem” que o cristianismo propõe-se testemunhar, explicitando a forma como essa história radical se cruza com a nossa. Decisivas são, portanto, as implicações biográficas e autobiográficas. Não temos de seguir uma ideia, temos de ser! O cristianismo, como recorda um recente e notável escrito de Christoph Theobald, é uma questão de estilo.
2.
Jesus Cristo, sendo verdadeiramente homem, abre o homem à possibilidade de Deus. Reconfigura, assim, o nosso plano histórico. Rasga o finito ao infinito, abrindo portas no coração de cada homem para uma história muito maior. Potencia uma vida humana onde aquilo que pensamos serem coisas relativas, como o amor, a justiça, o bem e a beleza, podem ser vividas em absoluto ou como patamares do absoluto. Não se trata de uma reforma de comportamento, pois Jesus não foi um moralista nem um ideólogo, nem sequer fundou uma escola de sabedoria. O que fez foi inscrever na história a possibilidade do divino. O seu anúncio é o Reino de Deus. E essa proximidade representa o grande abalo, o sobressalto que ele trouxe. O divino é o elemento mais transformador e insurreto da história.
3.
A morte de Jesus não é um acidente: é consequência da maneira como escolheu viver. De facto, contemplamos nele a radicalidade de uma presença que escolhe ir ao encontro dos pecadores e excluídos, viver na periferia, seguir um caminho de relação com Deus, chamando-o de Pai, distanciado dos mecanismos que eram típicos do campo religioso. Para Jesus, não há circunstância onde a relação com Deus não possa acontecer, e propõe gestos de uma altíssima impertinência… Contudo, o seu poder é o da vulnerabilidade, da fraqueza, do senhor que se faz servo, como dizia São João da Cruz. É a força do amor!
José Tolentino Mendonça
In Página 1
31.03.09
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