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A actualidade da mística

A «impermanência» e a superação da incapacidade de pensar em Deus sem pensar nas pessoas, e de pensar nas pessoas sem pensar em Deus, são duas das características dos místicos cristãos referidas por Fr. Bento Domingues na sessão de lançamento dos dois novos números da colecção «Teofanias» - «Cartas 1941-1943, de Etty Hillesum e «O Livro de Horas», de Rainer Maria Rilke. O encontro, que se realizou a 28 de Maio na livraria da Assírio & Alvim, em Lisboa, contou igualmente com a presença da escritora Isabel Allegro de Magalhães.

No início da sua intervenção, o teólogo dominicano relacionou a evolução da sociedade contemporânea com o aparecimento de uma nova literatura. Há cerca de duas décadas começou a confiar-se não só no materialismo, mas também nos chamados “valores espirituais”. Foi nesse contexto que se iniciou em Portugal a divulgação da “nova idade do mundo”, caracterizada por uma visão holística de acentuada abrangência religiosa. Entre os autores que na altura passaram a ser mais conhecidos, Paulo Coelho foi o que mais se destacou. Os seus livros sugerem e apontam a necessidade de uma demanda espiritual, resultante da insatisfação que muitos, cristãos ou não, sentem na sua vida.

 

Literatura “chá de tília”

A leitura das obras do escritor brasileiro pode ser comparada a um chá de tília, que induz a serenidade e “dá as boas noites”. “Se ajuda a viver, alinho”, referiu Fr. Bento Domingues. Ainda que para algumas pessoas aqueles livros não tenham consistência, “é sempre necessário um certo grau de alienação”, prosseguiu o teólogo, que procurou compreender a relação entre a evolução da sociedade e o sucesso de Paulo Coelho: “Comecei a olhar para esse fenómeno como uma espécie de reacção a uma modernidade extremamente racionalista e técnica.”

Por outro lado, começaram a ganhar relevância os estudos científicos realizados em áreas até então relativamente ignoradas no ser humano, como, por exemplo, a inteligência emocional.

A conjunção destes factores, influenciada pelo crescimento do individualismo e por um maior pluralismo, contribuiu para uma clara diminuição da hostilidade ao fenómeno religioso.

 

Duas rupturas na edição de obras religiosas

Durante muito tempo, as editoras descuidaram a apresentação dos livros de carácter religioso; para Fr. Bento Domingues, “se há coisa irritante, é deparar com um livro feio”.

A primeira ruptura na edição do livro religioso em Portugal foi de ordem estética, o que é bem patente na apresentação esmerada das capas e da paginação da colecção «Teofanias». O teólogo fez votos para que esta tendência venha a influenciar as obras de outras editoras.

A segunda cisão com o passado recente da literatura religiosa consiste na consciência de ser necessário propor autores que ofereçam a capacidade de enfrentar o nosso tempo, recorrendo a obras de todas as idades, culturas e proveniências. Neste sentido destacam-se, além dos nove números das «Teofanias», os «Contos de um Peregrino Russo» e, mais recentemente, os «Tratados e Sermões» de Mestre Eckhart, ambos da Paulinas Editora.

 

A relevância da mística para a cultura contemporânea

Para Isabel Allegro Magalhães, a idade das instituições religiosas, nomeadamente da Igreja, poderá contribuir para que a fluidez e a abertura do Evangelho seja substituída pelo seu congelamento.

Os novos movimentos religiosos surgem, por vezes, por causa de uma atitude institucional - proveniente da hierarquia e/ou dos crentes - que levanta barreiras àqueles que se situam na fronteira, impedindo-os de poder experimentar uma resposta aos seus questionamentos mais profundos.

A escritora considerou que tudo o que é doutrina rígida e autoritarismo é necessário para uma coerência histórica, mas pode afastar aqueles que procuram soluções consistentes para a sua espiritualidade. “Diz-se que as igrejas estão vazias”, mas a procura mais profunda do ser humano – ainda que se detenha no consumismo ou na actividade profissional – não encontra nestes ou noutros elementos respostas para os seus anseios.

 

Inquietação e humildade

Na renovação da mística contemporânea, Fr. Bento Domingues sublinhou o percurso e a obra de Simone Weil; a sua importância reside no facto de ter sido alguém que foi a expressão da complexidade de todas as coisas. Nela pode encontrar-se uma das características dos místicos: a «impermanência», o não saber parar.

Para Isabel Allegro, as vozes da colecção «Teofanias» apelam a uma espécie de convocação ao essencial, podendo interpelar aqueles que acreditam que em nada acreditam.

Em qualquer místico há uma espécie de suspensão da nomeação, que aponta para o grande mistério. Alguns, como por exemplo Teresa de Ávila, falam de um lugar ficcional, que se torna metáfora, alegoria do caminho da alma para o inominado. Nomear, numa linha judaica, é apropriar-se. O místico não tem seguranças. É um eu que escuta e deixa falar outra voz, mas que se retira sem deixar sinal de si.

 

rm
© SNPC | 31.05.09

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Etty Hillesum






























































































 

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