Entrevista
Ruy de Carvalho: Se calhar foi Cristo que me ensinou a sofrer bem
Em entrevista ao Expresso («Actual»), Ruy de Carvalho evoca os ensinamentos de Cristo, fala da sua relação com a Igreja Católica e lembra o lugar onde se sentiu "mais pequenino". Excerto:
Esta entrevista começou por causa das frases que não se esquecem. Mas ainda não disse se há alguma que diga muito sobre a sua vida?
Uma frase que tenha a ver com o contacto com os meus semelhantes?
Sim.
Ama o teu próximo como a ti mesmo.
Isso é cristão.
Eu sou muito cristão.
Mas não é católico praticante.
Não sou. Talvez tenha sido. A minha mulher [Ruth de Carvalho] era. Mas também era filósofa e estudava a história das religiões. Era formada em História e Filosofia. Tenho muita fé, mas não sei se é na Igreja Católica ou se é noutra igreja qualquer. Acredito que há um ser superior, que toma conta de nós.
E sentiu isso mais profundamente nalgum momento em particular?
Já pedi ajuda a Deus. Tive problemas graves. Fui canceroso. Tive problemas de próstata, de retenção de urina. Tive vários problemas graves na minha vida, e nesses agarrei-me. Eu sofro bem. Sei sofrer bem.
Como é sofrer bem?
Não chatear os outros com as nossas dores.
É ficar fechado?
Não é ficar fechado. É não fazer alarde da grande dor que se tem. Não sou piegas, não choro no calista, no dentista. Quando me trataram, os médicos tinham de perguntar se não me estava a doer.
Quem é que o ensinou a ser assim?
Se calhar foi Cristo.
O Cristo pregado?
Não é pregado. Ele quando sofria não mostrava que sofria.
Sim, pregado Ele mostra.
Mostra o que não pode mais não mostrar. É claro que se me atropelarem e me partirem as pernas também dou “ais”. Ver um velhote sozinho a ir a um caixote do lixo faz-me uma impressão horrível.
Uma vez tive uma resposta muito interessante em Penafiel, no Calvário. É uma obra do Padre Américo, onde estão as pessoas que já não têm nenhuma saída para a vida. E eu perguntei aos padres que estavam lá como é que era a missa. “A missa são eles. Eles é que são as chagas de Cristo. Eles é que são o sofrimento. Eles é que são o sofrimento que Cristo teve. Temos de as tratar. A missa é quando os tratamos. Não tem horário. Também rezamos, mas é quando os ajudamos. Quando os ajudamos a não terem tantas dores.” Foi o sítio onde me senti mais pequenino na minha vida.
Ruy de Carvalho
Entrevista de Cristina Margato
In Expresso («Actual»), 05.09.2009
07.09.09