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Alegria

Pôr humor na oração

O riso ajuda-nos a ir além do fatalismo que às vezes se abate violentamente sobre nós. O texto de Génesis 18,12-15 (cf. “A Bíblia e o seu fascinante Humor”) é um excelente exemplo. Aí Abraão tenta convencer Deus a salvar a cidade de Sodoma que está para ser condenada ... Abraão constrói um estratagema argumentativo. Primeiro diz: «Ó Deus, é verdade que a cidade não tem remédio, mas se nela houver 50 justos, tu estarás disposto a poupar a cidade?». É claro que Abraão sabia que em Sodoma não havia 50 justos, mas, se Deus dissesse que sim, Deus entrava no jogo! Às vezes a questão é essa: entrar também no jogo! Vemos isso bem nas parábolas de Jesus! O que ele faz frequentemente é tentar que aquela gente entre no jogo da sua lógica, e depois de entrarem a surpresa do Reino de Deus pode então irromper. A Abraão Deus diz: «Não, se houver 50 justos, eu pouparei a cidade de Sodoma». Então Abraão, sugere logo um desconto de 10 por cento, e diz: «Mas, Senhor, se a estes 50 faltarem cinco, se Só houver 45 justos, destruirás a cidade?». Abraão, entusiasmado, num texto tecido pelo humor, continua pedinchando, 30, 20 até chegar a 10 justos. E nós percebemos aqui a dimensão do jogo, que é no fundo a dimensão do humor.

Por vezes a nossa oração é demasiado séria. É muito importante que ela se deixe atravessar pelo humor. Aprender a rezar com Sara e Abraão, com estes dois, é aprender a rezar com os nossos risos, com os nossos impasses e descrenças, com esta espécie de jogo bem-humorado que a oração introduz. Há uma desproporção tão grande entre o céu e a terra, entre a fidelidade de Deus e a nossa fragilidade que, depois de tudo e através de tudo só o sorriso de Deus estampado no nosso rosto pode fazer a diferença. Por alguma razão o Pai do filho pródigo faz com que a sua casa se ilumine com músicas e danças (Lucas 15, 25).

 

Humor e profecia

O humor é também essencial para entender os profetas e a vocação profética. Nós temos imensa admiração pelos profetas, mas muitos deles, quando Deus os chamou do lugar onde estavam, a primeira coisa que fizeram foi assobiar para o lado! Deus falava e eles, nada! Tal qual nós. A Amós, Deus disse: "Olha, eu quero que tu vás profetizar", e ele responde logo: "mas eu não sou filho de profeta, o que eu sei é cuidar de vacas". Quando Deus pede a Jeremias para ser profeta, ele diz: "Mas eu sou uma criança, nem sei falar!" Mas Deus ri-se dos nossos obstáculos, transformando aquilo que nos pareciam coisas intransponíveis! O humor de Deus acompanha a nossa vida!

Veja-se o exemplo relatado pelo Livro de Jonas, talvez o grande livro do humor bíblico. Deus diz, "Vai levar esta mensagem de condenação para ver se eles se arrependem", e manda Jonas para Sul, mas ele trata de escapar-se imediatamente... para Norte! Sempre em fuga mete-se num barco e acaba naufragado e engolido por uma baleia. Quando se liberta desta saga, por que a própria baleia o expele, acontece o incidente do terebinto. Está o profeta a dormitar debaixo de um arbusto, bem instalado, e de repente aquela planta seca. Quando o Sol fere-lhe a careca com toda a violência ele volta de novo a rebelar-se para, finalmente, ganhar a coragem de ser.

Vemos assim como os profetas contam a revelação de Deus a partir do humor das suas próprias vidas, da sua própria história. Se cada um de nós fizesse a sua biografia de crente, o amor e o humor de Deus apareceriam claramente associados.

 

Converter-se pelo humor

O capítulo 18, do 1.º Livro dos Reis, é um texto admirável. Conta-nos uma história de Elias, o profeta que encontra Deus, não no trovão, não no relâmpago ou no estrondo espectacular, mas na leve brisa. Este Elias estava sozinho a desafiar um exército de quatrocentos sacerdotes d Baal, uma espécie de concurso para ver quem seria defendido pelo seu deus. A partir duma religiosidade que nós sabemos arcaica e próxima de ideias politeístas, percebemos como o humor é importante para a construção do verdadeiro paradigma crente.

Elias continuou: «Só eu fiquei, como único profeta do Senhor, enquanto que os profetas de Baal são quatrocentos e cinquenta. Dêem-nos, então, dois novilhos; eles escolherão um, hão-de esquartejá-lo e o colocarão sobre a lenha, sem lhe chegar fogo. Eu tomarei o outro novilho, colocá-lo-ei sobre a lenha, sem, igualmente, lhe chegar fogo. Em seguida invocareis o nome do vosso deus; eu invocarei o nome do Senhor. Aquele que responder, enviando o fogo, será reconhecido como verdadeiro Deus.» Todo o povo respondeu: «Estas palavras são correctas.» Então Elias disse para os profetas de Baal: «Escolhei vós primeiro um novilho e preparai-o, porque vós sois mais numerosos; invocai o vosso Deus, mas não chegueis fogo ao novilho.» Eles tomaram o novilho que lhes fora dado e esquartejaram-no. Depois puseram-se a invocar o nome de Baal, desde manhã até ao meio-dia, gritando: «Baal, escuta-nos!» Mas nenhuma voz se ouviu, nem houve quem respondesse. E dançavam à volta do altar que tinham levantado. Quando era já meio-dia, Elias começou a escarnecer deles, dizendo: «Gritai com mais força! Talvez esse deus esteja entretido com alguma conversa! Ou então estará ocupado, ou anda de viagem. Talvez esteja a dormir! É preciso acordá-lo!» Então eles gritavam em voz alta, feriam-se, segundo o seu costume, com espadas e lanças, até ficarem cobertos de sangue. Passado o meio-dia, continuaram enfurecidos, até à hora em que era habitual fazer-se a oblação. Mas não se ouviu resposta nem qualquer sinal de atenção.

Foi então que Elias disse a todo o povo: «Aproximai-vos de mim.» E todo o povo se aproximou dele. Elias reconstruiu logo o altar do Senhor, que tinha sido demolido. Tomou doze pedras, segundo o número das tribos de Jacob, a quem o Senhor dissera: «Chamar-te-ás Israel.» Com essas pedras erigiu um altar ao nome do Senhor; em volta do altar cavou um sulco, com a capacidade de duas medidas de semente. Dispôs a lenha sobre a qual colocou o boi esquartejado e disse: «Enchei quatro talhas de água e derramai-a sobre o holocausto e sobre a lenha.» Depois acrescentou: «Tornai a fazer o mesmo.» Tendo eles repetido o gesto, acrescentou: «Fazei-o pela terceira vez.» Eles obedeceram. A água correu à volta do altar até o sulco ficar completamente cheio.

À hora do sacrifício, o profeta Elias aproximou-se, dizendo: «Senhor, Deus de Abraão, de Isaac e de Israel, mostra hoje que és Tu o Deus em Israel, que eu sou o teu servo; às tuas ordens é que eu fiz tudo isto. Responde-me, Senhor, responde-me! Que este povo reconheça que Tu, Senhor, é que és Deus, aquele que lhes converte os corações.» (1 Reis 18, 22-37)

 

José Tolentino Mendonça
© SNPC | 23.09.09

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Anjo risonho
Catedral de Notre-Dame de Reims
































































 

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