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Meditação

Alimentar-se de Cristo

Naquele tempo, os judeus murmuravam de Jesus, por Ele ter dito: «Eu sou o pão que desceu do Céu». E diziam: «Não é Ele Jesus, o filho de José? Não conhecemos o seu pai e a sua mãe? Como é que Ele diz agora: ‘Eu desci do Céu’?». Jesus respondeu-lhes: «Não murmureis entre vós. Ninguém pode vir a Mim, se o Pai, que Me enviou, não o trouxer; e Eu ressuscitá-lo-ei no último dia. Está escrito no livro dos Profetas: ‘Serão todos instruídos por Deus’. Todo aquele que ouve o Pai e recebe o seu ensino vem a Mim. Não porque alguém tenha visto o Pai; só Aquele que vem de junto de Deus viu o Pai. Em verdade, em verdade vos digo: Quem acredita tem a vida eterna. Eu sou o pão da vida. No deserto, os vossos pais comeram o maná e morreram. Mas este pão é o que desce do Céu, para que não morra quem dele comer. Eu sou o pão vivo que desceu do Céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que Eu hei-de dar é a minha carne, que Eu darei pela vida do mundo». (João 6, 41-51) (Leitura do Domingo 9 de Agosto)

Depois de ter falado, sem grande exactidão, de um pão misterioso que o Pai dá para a vida do mundo, e escutado o povo a pedir-lhe que lhe desse sempre desse pão (versículos 26 a 34), Jesus vai explicar em dois discursos que esse pão é Ele mesmo. Estas duas prédicas começam da mesma maneira: “Eu sou o pão da vida” (vv. 35 e 48); e terminam com a “vida eterna” (vv. 45 e 59). No meio dos dois discursos (vv. 41 e 52), a revolta dos ouvintes.

A primeira pregação repete, de diversas formas, que comer esse pão, agora identificado com o próprio Cristo, consiste em crer nEle. Crer e comer tornam-se sinónimos. Na linguagem corrente, é comum falar-se de se ser alimentado por este ou aquele autor, de devorar os seus livros; para exprimir uma recusa, podemos dizer: “Eu não como desse pão”. A palavra recebida dos outros é alimento, dado que nos constrói, faz-nos existir. Tudo o que em nós existe é uma elaboração do que recebemos. No capítulo 1 do livro do Génesis, compreendemos que é a palavra de Deus que nos faz existir. Esta palavra torna-se para nós sensível, audível, visível em Cristo (1 João 1,4). Crer nEle, é crer em nós, porquanto nEle se encontra a verdade do nosso ser. NEle reside a certeza da nossa incorruptibilidade. Assim, comer para viver é crer, absorver aquele que o Pai nos envia e para quem nos atrai (v. 44).

 

O “pão do céu”

Crer em Cristo, alimentar-se de Cristo, não é apenas uma adesão intelectual. Trata-se de fundar a nossa vida sobre Ele, isto é, de fazer nossos os seus comportamentos ou, sobretudo, a sua atitude fundamental, que dirige toda a sua vida, tudo o que Ele faz e tudo o que Ele diz. Essa atitude resume-se numa frase: dar a vida. Só se guarda, só se salva o que se dá. A expressão “pão que desceu do céu”, que, à primeira vista, nos deixa indiferentes, significa que não temos nada a ver com a origem dessa atitude, que a aptidão para a dádiva de nós mesmos vem do próprio Deus. É uma forma de dizer tudo o que é o Pai e tudo o que é o Filho. Este Jesus é-nos dado e, dando-se, revela “como é Deus”.

Os interlocutores de Jesus indignam-se: como é que este homem pode dizer que “desceu do céu” quando sabemos que Ele vem da terra? Com efeito, conhecemos o seu pai e a sua mãe... Essas pessoas devem aprender, tal como nós, que vir da terra e descer do céu não são contraditórios. O que produz a terra em Génesis 1 é o fruto da palavra que vem de Deus. Todas essas coisas “incarnam” o Verbo, e Cristo recapitula-as, conduzindo-as à sua última verdade. Não é Ele a “luz do mundo”, plenitude daquela que foi dada em Génesis 1,3? É por isso que o pão da terra anuncia e prepara o “pão do céu”. De tudo isto nasce a vida; a nossa vida actual faz-se vida eterna, desde que aceitemos oferecê-la.

 

Quem é Jesus?

Eis a famosa questão da identidade. Diante de Jesus e do que Ele faz, somos conduzidos a compreender e a crer, não apenas que Ele “vem” de Deus, mas que Ele é presença de Deus. A sua identidade profunda ultrapassa infinitamente o que se sabe ou o que se crê saber dEle. Gerada a partir do “ver”, da visão, a fé vai bem para além do que se constata. No limite, é mesmo possível “crer sem ver” (João 20,29). No fim de contas, é assim que vivemos, nós que cremos a partir do que ouvimos, a partir do testemunho dos apóstolos transmitido de geração em geração.

Não pensemos que esta adesão à pessoa de Cristo, esta caminhada com Ele, esta escolha de ser como Ele, necessitam de um esforço penoso da nossa parte. Não somos nós que temos de “fabricar” a nossa fé; “ninguém vem a mim se o Pai, que me enviou, não o atrai” (v. 44). Mas atenção: temos o poder de ceder a esta atracção ou de a recusar. Cabe a nós pronunciar o “sim” nupcial que nos faz ser um com Cristo; uma só carne. Não esperemos ser possuídos por um poderoso sentimento de crença: temos simplesmente de escolher acreditar, imitar o “faça-se segundo a tua palavra” de Maria no dia da Anunciação.

A fé é abandono e aceitação face à atracção de Deus. Esta atracção conduz-nos a Cristo, humanidade de Deus e divindade do homem. E Cristo, não esqueçamos, entrega-se nas nossas mãos através de todos os homens: “a mim mesmo o fizestes” (Mateus 25,40)

 

Marcel Domergue
In Croire
Trad.: rm
02.08.09

Pão e Vinho
Thilo Mueller/A.B./Corbis









































































 

 

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