Arte
"Podia fazer uma imagem para cada versículo da Bíblia"
“Acho que podia fazer uma imagem para cada versículo da Bíblia. Todos eles são susceptíveis de um pensamento e podem suscitar uma imagem”, afirmou a pintora Ilda David’, a propósito do colóquio “As Artes da Bíblia", que ocorreu esta terça feira na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa.
“Tem de haver alguma espiritualidade”, referiu a artista a propósito das pinturas que realizou para a “Bíblia Ilustrada”.
“Matisse dizia que toda a sua obra era religiosa. Não sei se posso dizer isso, mas há uma concentração dessa esfera quando se está a tentar representar passagens do texto bíblico”, prosseguiu
Para Ilda David’, este trabalho foi uma redescoberta da Sagrada Escritura, “Já quando estudava Belas-Artes, fiz uma série de gravuras sobre algumas passagens do Antigo Testamento. Portanto é um tema recorrente”, explicou à Agência Ecclesia.
O próximo projecto da artista consistirá na ilustração de excertos bíblicos seleccionados pelo P. José Tolentino Mendonça para um livro dirigido às crianças: “Na Bíblia Ilustrada há muitas imagens para a mesma história. Neste trabalho eu tento contar a história com uma só imagem, numa tentativa de simplificação.”
Brilho e glória de Deus
“As imagens podem levar a uma empatia com o texto e vice-versa, o que os enriquece”, explicou Pedro Proença, que trabalhou com o biblista Fr. Joaquim Carreira das Neves nos 12 volumes da Bíblia que o “Expresso” publicou entre Setembro e Dezembro de 2006.
“Para mim, há um lado que tem a ver com o brilho e a glória de Deus, que pode ser aberto através de representações, que quanto mais diversificadas, melhor”, explicou. Neste projecto, o artista optou por uma abordagem “clara” e “não rebuscada” ao texto bíblico.
As 120 imagens publicadas, “os mais de 200 desenhos pequeninos” e os estudos “que ficaram de fora” exigiram um ano de trabalho. “Andava um bocado alucinado na altura”, diz, com uma gargalhada.
Para criar os desenhos, Pedro Proença leu a Bíblia, os comentários “interessantes” do Fr. Carreira das Neves, assim como alguns textos extra-bíblicos que também faziam parte do projecto, nomeadamente sumério-acádicos.
O artista referiu que a criação foi “intuitiva”, resultando da “reacção mais imediata ao texto”: “Sinto que sou um bocado ‘naif’ e que pego no que está a palpitar nos textos”. Apesar de “não ter tido tempo para fazer uma meditação profunda” sobre a Bíblia, Pedro Proença não considera que a sua aproximação à Sagrada Escritura tenha sido superficial. As “reminiscências do mundo da arte, especialmente da tradição pictórica cristã, que é vastíssima”, estiveram igualmente na génese do seu trabalho.
Pedro Proença lembrou algumas das dificuldades que encontrou na ilustração: “Há momentos em que o texto é mais abstracto”, como acontece em S. Paulo, que tem uma “dimensão mais teológica”: “É como ilustrar filosofia, embora haja histórias lá no meio”.
E quanto às reacções? “Não tive muitos ecos. Algumas pessoas acharam os desenhos um bocado eróticos; penso que não o são, em nenhum momento”, assinala.
Arte na Bíblia
José Tolentino Mendonça defende que “a Bíblia é um património da humanidade que reflecte a condição humana do ponto de vista crente, nos seus dramas, interrogações e alegrias”.
“Neste grande teatro humano que é a Bíblia, existe uma fonte de inspiração ininterrupta sobre gerações de artistas, que ao longo dos séculos, e também na contemporaneidade, têm visitado o texto bíblico para o recriarem com grande liberdade, mas também com verdade e respeito pelo texto”.
O poeta madeirense assegura que a Igreja não teme que os artistas ultrapassem o sentido da Sagrada Escritura. A este respeito, cita um teólogo de referência do século XX, Hans Urs von Balthasar: “Aquilo que os artistas têm dito sobre a Bíblia é muitas vezes mais significativo do que o próprio discurso teológico”.
“Claro que é preciso entender esta expressão, mas ela significa que a interpretação que a arte faz, sobretudo quando é espiritual ou quando é feita com uma grande abertura, sem dúvida que é um contributo grande para a relação com a Bíblia”, acrescentou.
A criação artística que se tem verificado em Portugal sobre a Sagrada Escritura “é uma excelente notícia porque, ao contrário do que alguns anunciam, a Bíblia não morreu nem está para morrer”.
“É muito curioso que na contemporaneidade haja artistas de primeiro plano que se tenham interessado pelo texto bíblico, ilustrando-o de forma tão extraordinária, como são os casos de Pedro Proença e Ilda David’."
In Agência Ecclesia (adapt.)
Imagens: Pedro Proença
23.10.09
Pedro Proença
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