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Os «Vencidos do Catolicismo» - Militância e atitudes críticas (1958-1974)

O Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa apresentou no dia 12 de Novembro, em Lisboa, as suas três mais recentes edições.

O novo número da revista «Lusitãnia Sacra» publica as contribuições das jornadas «Da História Eclesiástica à História Religiosa«, realizadas em 24 e 25 de Novembro de 2006.

«Representações do Protestantismo na sociedade portuguesa contemporânea - Da exclusão à liberdade de culto (1852-1911) » é o título de um estudo de Rita Mendonça Leite, que em breve será revelado com mais detalhe no site da Pastoral da Cultura.

Neste artigo, apresentamos excertos da introdução de «Os ´Vencidos do Catolicismo' - Militãncia e atitudes críticas (1958-1974)», de Jorge Revez.

 

"Nós, os vencidos do catolicismo"

Da introdução:

"Existem hoje em Portugal correntes de opinião, no universo do senso comum, que veiculam posições como estas: «Eu acredito em Deus mas não vou à missa» ou «Eu tenho a minha fé mas não quero saber de padres». São frases que se podem escutar no quotidiano, aparentemente próximas de lugares-comuns.

No entanto, o que podem significar estas afirmações? O que justifica nos dias de hoje estas posições? São posturas anticlericais num país que as estatísticas revelam como hegemonicamente católico? Será esta dicotomia – entre o domínio da crença e o dos ritos e seus sacerdotes – o resultado de um lento processo de deslocação do religioso, antes enquadrado institucionalmente («os padres») e agora «individualizado » («a minha fé»)? Que contributo pode dar a historiografia para o conhecimento da desafectação religiosa que a sociologia tem proficuamente observado no quadro das relações sociais? Que outras questões se levantam quando observamos o problema da crítica interna às próprias confissões religiosas? O que significam supostas contradições como a afirmação que se pode encontrar na actual opinião pública: «sou católico mas votei a favor da despenalização do aborto»?

O catolicismo, enquanto realidade religiosa orgânica, é apresentado, muitas vezes, no discurso historiográfico com traços uniformes, no âmbito de visões holísticas: entende-se o catolicismo como um todo, personalizado numa hierarquia que é a sua face visível e indistinta. É um catolicismo centrado na instituição Igreja, onde os trilhos individuais raramente são referidos pelos historiadores.

Contudo, as vicissitudes da existência histórica do catolicismo não nos parecem poder ser entendidas sem a compreensão dos detalhes que envolvem o percurso das sensibilidades individuais, na medida a que a estas correspondem visões da realidade, das quais nos podemos servir para melhor compreendermos a complexidade de uma determinada problemática. No mesmo sentido, a historiografia dos séculos XIX e XX tem insistido na análise das posições de cariz político dos católicos portugueses, ficando as suas motivações e vivências espirituais reduzidas a uma questão de intervenção sociopolítica, não se conhecendo, com detalhe, os níveis de crença e sociabilidade religiosas que sustentam essas posições e outros problemas que aí se levantam.

No seguimento de outros trabalhos que realizámos, especialmente o contacto com o espólio pessoal de Francisco Lino Neto (1918-1997), temos procurado desenvolver um filão de investigação em torno da experiência religiosa dos católicos durante o Estado Novo, sobretudo a forma como contactam com dinâmicas internacionais que promovem uma renovação da sua forma de ser e agir, bem como o sentido religioso que a sua actuação política e social assume durante esses anos.

O objecto do presente estudo é uma tentativa de explicação de um conjunto complexo de atitudes críticas surgidas dentro do próprio catolicismo português (embora parte de um amplo movimento internacional), direccionadas, não só para a denominada hierarquia eclesiástica, mas também para características e situações intrínsecas à própria vivência católica. Especificamente, abordaremos uma linha de pensamento e acção que conduziu um conjunto de pessoas à desilusão e não poucas vezes à ruptura com a própria Igreja.

É um olhar que parte da militância católica – tal como foi entendida desde, sensivelmente, o pós 2.ª Guerra Mundial – até à dissidência e abandono da Igreja por parte de um conjunto, porventura amplo, de homens e mulheres, nas décadas de 60 e 70. Não é um trabalho sobre a descrença, o ateísmo, ou o simples recuo das práticas religiosas na realidade portuguesa das décadas de 60 e 70 do século XX, nem um esforço de cariz sociológico, na medida em que não utilizaremos a sua utensilagem analítica para aferir do grau efectivo ou aproximado desta ruptura.

O que procurámos foi a elaboração de um trabalho historiográfico sobre uma perspectiva que se encontrava por estudar. É apenas uma proposta que tenta explicar as razões e o contexto desta situação de dissidência, bem como o seu impacte e significado no catolicismo e na sociedade portuguesa.

O ponto de partida deste trabalho é um poema de Ruy Belo (1933-1978), poeta, ensaísta e crítico literário português – um dos nomes maiores da literatura portuguesa da segunda metade do século XX – publicado em 1970, num livro intitulado Homem de Palavra[s] e republicado em País Possível, de 1973, uma antologia pensada pelo próprio poeta:

Nós os vencidos do catolicismo
que não sabemos já donde a luz mana
haurimos o perdido misticismo
nos acordes dos carmina burana

Nós que perdemos na luta da fé
não é que no mais fundo não creiamos
mas não lutamos já firmes e a pé
nem nada impomos do que duvidamos

Já nenhum garizim nos chega agora
depois de ouvir como a samaritana
que em espírito e verdade é que se adora
Deixem-me ouvir os carmina burana

Nesta vida é que nós acreditamos
e no homem que dizem que criaste
se temos o que temos o jogamos
«Meu deus meu deus porque me abandonaste?»

Partindo deste poema e do seu contexto, procurámos compreender as atitudes críticas de um conjunto de católicos, face à instituição eclesial, desde a década de 50, quando o projecto de recristianização da sociedade portuguesa conheceu um período de abrandamento que culminaria com a campanha para a Presidência da República do General Humberto Delgado, em 1958, até ao 25 de Abril de 1974, data da Revolução dos Cravos, que poria fim ao Estado Novo, iniciando um processo de transição no qual os católicos participam activamente. A escolha desta periodização remete para um intervalo de tempo em que claramente todo este processo de dissidência se desenrola e agudiza, não obstante esta problemática ter raízes bastante anteriores e a sua pertinência se prolongar até aos dias de hoje. (...)

Não pudemos aferir com precisão o impacto da expressão nestes dois momentos mas em 1978, quando Ruy Belo se lhe refere, como vimos, «Nós os vencidos do catolicismo» é já entendido como «poema de uma geração», uma geração abandonada por Deus. Após a morte de Ruy Belo, em Agosto desse ano, a primeira vez que surge é em 1983, num artigo de João Bénard da Costa sobre os 20 anos do primeiro número de O Tempo e o Modo. Neste texto é identificado com o poema o ciclo que conduziria alguns sectores católicos a «deixar a Igreja ou a deixar que a Igreja nos deixasse a nós», prometendo o autor que escreveria um livro cujo título seriam as palavras de Ruy Belo.

Só catorze anos mais tarde, em 1997, voltaria a aparecer novamente pela pena de Bénard da Costa. Este autor tornar-se-ia o principal divulgador da expressão, conferindo-lhe um sentido claramente geracional, num conjunto de crónicas publicadas em O Independente. Esta publicação suscitou interesse e possibilitou a reunião das crónicas em livro, em 2003, como já referimos. Depois dessa edição há um eco imenso da expressão, visível por exemplo no espaço virtual da World Wide Web ou noutras publicações.

Analisaremos neste estudo algumas das tomadas críticas de posição, focando principalmente a figura do poeta Ruy Belo, como um caso paradigmático e até mesmo simbólico – pela construção posterior de um certo imaginário de vencidismo católico que o seu poema fez emergir – do criticismo que marcou a relação dos católicos com a Igreja, entendida aqui enquanto estrutura orgânica e hierárquica. Observaremos também a figura do padre José da Felicidade Alves (1925-1998) e a polémica que a sua postura crítica suscitou na Igreja portuguesa no final dos anos 60.

Na verdade, estamos ainda um pouco longe de poder avançar com uma caracterização cultural e uma interpretação histórica acerca dos «vencidos do catolicismo». Apresentaremos, sobretudo, linhas de força amplas sobre o que terá sido a experiência cultural e espiritual de uma sensibilidade católica, de homens e mulheres muitos deles com actividade política enquadrada no conceito amplo e plural de «oposição católica»; outros, por certo a grande maioria, silenciosa e anónima, que num dado momento, e na maior discrição se leram e consideraram como «vencidos», rompendo de forma abrupta ou simplesmente afastando-se da Igreja e do catolicismo.

Sendo a poesia uma forma de linguagem primordial e leitura dos homens sobre o mundo, pode ser talvez uma espécie de chave interpretativa que tem sido amiúde esquecida pela investigação histórica do passado mais recente, possivelmente devido à multiplicidade de fontes disponíveis. No entanto, o poema e a sua análise contribuem de forma determinante para a elaboração de um esboço que permita antever, com mais clareza, o retrato de um grupo de católicos – espiritual, cultural e político – que podemos situar, em traços largos, no decénio de 60 do passado século. (...)

Os capítulos em que dividimos este estudo procuram, cada um deles, responder a perguntas concretas: como emergiu no campo católico português uma consciência crítica em relação ao regime de Salazar e de que forma essa posição nascente vai lentamente entrecruzar-se com a militância e as posições de católicos após a 2ª Grande Guerra? Como se explica a renovação e rejuvenescimento dessa presença católica na sociedade portuguesa nas décadas de 60 e 70? Como se processa, a partir dos anos 60, um acentuar das críticas, desilusões ou dissidências de católicos face à sua pertença institucional e qual o significado que estas sensibilidades individuais tiveram para a recomposição de um campo católico em permanente dinâmica de expansão e de retracção? (...)"

 

Índice

1 - A militância católica no quadro da recristianização da sociedade portuguesa na década de 50
1.1 - A Acção Católica Portuguesa e a militância católica
1.2 - Primeiros sinais de ruptura política e eclesial: de Joaquim Alves Correia e Abel Varzim às eleições de 1958

2 - Os novos católicos da década de 60: humanismo, progressismo, vanguarda e crise
2.1 - O ambiente conciliar e o humanismo cristão, do aggiornamento à desilusão? O Concílio Vaticano II em Portugal
2.2 - O progressismo católico face à modernidade: «os sinais dos tempos» entre a paz de Cristo e a guerra colonial
2.3 - A questão da vanguarda no campo católico: um problema cultural, político e eclesiológico
2.4 - Crise do catolicismo ou crise dos católicos?

3 – Os «vencidos do catolicismo»
3.1 - O problema do vencidismo católico: um problema de Igreja?
3.2 - O caso de Ruy Belo: percurso pessoal e obra poética
3.3 - O Padre Felicidade Alves: uma polémica no final dos anos 60
3.4 - Uma identidade católica em recomposição? Secularização, póscatolicismo, liberdade individual

 

Jorge Revez
15.11.09

Capa

Os «Vencidos
do Catolicismo»
Militância e atitudes críticas
(1958-1974)

Autor
Jorge Revez

Editora
Centro de Estudos de
História Religiosa da UCP

Ano
2009

Páginas
208

Preço
€ 14,00

ISBN
978-972-8361-29-7

















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