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Entrevista

Rui Vieira Nery: Não há vontade política de assumir a cultura como prioridade

Musicólogo, com vasta obra publicada, Rui Vieira Nery é um dos grandes defensores da candidatura do fado a Património Imaterial da Humanidade, tema que voltou à ribalta nos últimos dias a propósito dos 10 anos da morte de Amália Rodrigues. Foi secretário de Estado da Cultura no consulado Carrilho, entre 1995 e 1997, e exerce actualmente funções no departamento de música da Fundação Gulbenkian. Reconhece que a música é um parente pobre de outro parente pobre: a cultura. E diz que sem aumentar as verbas da pasta é inútil discutir metas.

Excertos da entrevista à Rádio Renascença, Público, e RTP 2.

Sendo uma pessoa mais ligada à música erudita, está há anos a documentar o fado, que é uma música popular. Como é que casa estas duas coisas?
Gosto muito de música erudita, que é a área em que eu fui crescendo como musicólogo, mas sou filho de um grande guitarrista de fado, o Raul Nery, portanto toda a vida cresci a ouvir fado. Por outro lado, tirando o caso do Joaquim Pais de Brito, em relação ao fado havia praticamente zero de estudos avançados. Portanto achei que eu tinha obrigação, quase moral, de juntar a minha formação ao meu gosto pelo fado para fazer isso.

O fado sem a Amália seria aquilo que é hoje em dia?
O fado teve a Amália, graças a Deus, isso é um dado incontornável. É evidente que havia grande e extraordinário fado antes dela. Só que a Amália foi um caso excepcional, que projectou o fado internacionalmente e lhe abriu novas perspectivas de ligação à poesia.

E divulgou poesia portuguesa que era desconhecida...
A ideia de juntar poesia erudita ao fado foi uma conquista da Amália. Depois outros grandes fadistas fizeram a mesma coisa.

O fado vai ser proposto para Património Imaterial da Humanidade, em 2010. Mas o que ganharão o fado e a música portuguesa com isso?
O que ganham é sobretudo o que já está a ser feito para a candidatura. Nós temos cinco anos de trabalho com uma equipa que está a catalogar todos os discos de fado desde 1902, todas as edições e partituras, todos os livros de poemas de fado, a recolher fotografias, etc. Portanto há uma quantidade de informação como nunca houve. Costumo dizer que a candidatura não é marca frigorífica para preservar um cadáver. É um observatório de um processo vivo. A decisão da Unesco terá algum impacto na projecção da cultura portuguesa, na imagem de marca de Portugal, até no turismo.

Mas esta insistência no fado não pode ofuscar a diversidade da música portuguesa?
A música portuguesa tem, neste momento, uma vitalidade muito grande e há uma diversidade de géneros que não se confundem com o fado e que também estão a ter projecção internacional. O fenómeno da world music ajudou muito as culturas "periféricas", que não estavam naquele mainstream da indústria discográfica internacional. Mesmo o fado que está a ser divulgado já é um fado transformado, mestiço, talvez mais erudito. Em qualquer caso são o testemunho de uma nova geração, um novo olhar sobre o mundo.

Disse que está a ter projecção internacional. Mas não está a ter projecção nacional. O que é que podia ser feito para mudar isso?
Gastou-se muito dinheiro na construção de salas de espectáculos e auditórios em Portugal - e ainda bem - mas continua a não haver noção de que uma sala de espectáculos não serve para estar fechada. Só faz sentido se tiver actividade. Portanto, o passo a seguir seria ter programadores permanentes. É evidente que isto não dá votos. Mas há bons exemplos de salas que conseguiram criar dinâmicas de programação. Só que isso é um processo lento e exige alguma mudança de mentalidades, exige alguma noção da prioridade e investimento cultural como factor de desenvolvimento económico.

Há dias, foi anunciada como nova uma rádio só para fado, que aliás já só passava fado. Acha que deveria haver uma rádio que passasse só música portuguesa ou teme que isso possa ser um processo de “guetização”?
Temo que sim. Eu sou sempre a favor da diversificação. Não gosto de guetos, não gosto de espacinhos confinados. Eu gostava que a programação das rádios em geral fosse mais diversificada. Gostava que houvesse mais música portuguesa, gostava que não houvesse a ditadura da lista oficial de títulos que se podem passar, gostava de não ter esta situação estranhíssima de discos muito importantes que não passam, pura e simplesmente. Preferia que houvesse maior abertura das emissoras generalistas do que propriamente a criação de guetos. Acho que há excepções. Por exemplo, acho que se justifica inteiramente a Antena 2, com um canal virado para a música clássica, o jazz e as músicas um pouco alternativas. Acho que se justifica por uma questão de autodefesa. Não digo que não seja uma boa ideia uma estação de fado, mas preferia sobretudo que houvesse diversificação das grandes antenas. Acho que é no gosto do público que nós temos de jogar.

Não acha que a música é, em Portugal, o parente pobre da cultura?
Acho é que a cultura é o parente pobre de tudo o resto, logo à partida. Portanto, ser parente pobre de um parente pobre naturalmente que é pior.

A Gulbenkian, fundação onde trabalha, não estará também a desviar um pouco as suas prioridades da música?
Não. Eu penso que a Gulbenkian (e tento responder com isenção, apesar de ser um quadro da Fundação) faz um papel único e imprescindível. Tem claramente a melhor temporada de música do país, uma orquestra que é reconhecida como a melhor orquestra portuguesa, um coro que é reconhecido como o melhor coro português e isso representa um enorme esforço de investimento, coisa que o Estado nem sempre faz, com a mesma qualidade. Por outro lado, a Fundação é a entidade que encomenda mais obras a compositores portugueses, tem uma política de concessão de bolsas de estudo a jovens músicos que também não tem par no país.

A cultura é o parente pobre da política portuguesa porque não há dinheiro, não há a consciência da sua importância ou porque não rende?
O principal problema da política cultural do Estado dos últimos 20 anos é que não há vontade política de a assumir como prioridade. Uma coisa que está clara em toda a Europa é que não há desenvolvimento económico e social sustentável sem uma componente cultural decisiva. Já não estamos a falar dos méritos espirituais das artes, mas de um sector que cria emprego, que gere mais-valias. É necessário dar ao Ministério da Cultura meios orçamentais adequados. O Estado não consegue fazer nem deixar fazer. Sou da geração do Tintim e costumo dizer que, nesta fase, tanto faz estar lá o general Tapioca como o general Alcazar porque a situação é a mesma. Penso que o engenheiro Sócrates, neste último ano, já por várias vezes reconheceu esta necessidade e deu a entender que haveria um investimento reforçado na próxima legislatura. Acabou por não haver uma quantificação no programa do PS.

Isso não é um indicativo?
É aquela prudência típica de não querer compromissos quantificados, mas penso que há vontade política e espero que ela se concretize.

 

Entrevista de Raquel Abecasis, Nuno Pacheco
In Público
12.10.09

Rui Vieira Nery


























































































 

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