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As crises não devem ser temidas

As crises não devem ser temidas. Foi através de repetidas crises que Deus se aproximou do seu povo. A pior crise de Israel foi a destruição do seu Templo e da monarquia, e o exílio para a Babilónia... Os israelitas perderam tudo aquilo que lhes dava identidade: a sua liturgia, a sua nacionalidade. Vieram a descobrir que Deus estava, afinal, mais próximo do que em qualquer outra altura. Deus estava presente na lei, nas suas bocas e nos seus corações, estivessem onde estivessem, mesmo longe de Jerusalém. Perderam Deus, mas receberam-no de uma forma mais íntima do que poderiam ter imaginado.

Depois apareceu Jesus, esse homem complexo e difícil, que quebrava a amada lei, comendo ao Sábado, tocando nos impuros, passando tempo com prostitutas. Aparentemente destruía tudo aquilo que amavam, a forma como Deus estava presente nas suas vidas. Mas isso era apenas porque Deus queria estar presente de forma ainda mais íntima, como um deles, com uma face humana. E em cada Eucaristia recordamos como foi necessário perdê-lo na Cruz, apenas para o receber mais de perto, não como um Homem no meio de nós, mas como a nossa própria vida.

No Ofício de Leitura da primeira semana do Advento, ouvimos: “Porque o Senhor dos exércitos terá um dia contra todo o ser orgulhoso e arrogante, e contra todo aquele que se exalta, para abatê-lo, contra todos os cedros do Líbano, altos e majestosos, e contra todos os carvalhos de Basã, contra todos os altos montes, e contra todos os outeiros elevados, contra todas as torres altas, e contra todas as muralhas fortificadas”, (Isaías 2, 12-15).

Mas isto era para que Deus pudesse viver de novo no meio do seu povo humilhado: “o Senhor virá estabelecer-se sobre todo o monte Sião e em suas assembleias: de dia como uma nuvem de fumaça, e de noite como um fogo flamejante. Porque sobre todos se estenderá a glória do Senhor, como a cobertura de uma tenda, à guisa de sombra contra o calor do dia, e de refúgio e abrigo contra a tempestade e a chuva.” (Isaías 4, 5-6).

De forma dolorosa, o Senhor está a demolir as nossas torres, as nossas pretensões clericais de grandeza e a glória, para que a Igreja seja um lugar onde possamos encontrar Deus e uns aos outros em maior intimidade. Jesus promete descanso às nossas almas. Frequentemente nós, padres, somos consumidos por um activismo destrutivo no nosso serviço ao povo. De facto, esta crise de abusos sexuais poderá agravar a tentação de mostrar que somos padres fantásticos, com uma devoção incessante ao nosso trabalho, sempre disponíveis nos nossos telemóveis. Isto é salvação por obras e não por graça.

Thomas Merton defendia que a hiperactividade era uma cedência à violência da nossa sociedade: “A pressa e a pressão da vida moderna são uma expressão, talvez a mais comum, da sua violência intrínseca. Permitir que sejamos levados por uma multidão de preocupações contraditórias, render-nos a demasiadas exigências, comprometer-nos com demasiados projectos, querer ajudar todos em tudo, é sucumbir à violência. Mais, é cooperação com a violência.”

Se deixarmos esta violência intrínseca infectar as nossas vidas, ela encontrará forma de se manifestar. Poderá sair através de palavras violentas. Poderemos violentar-nos através da bebida. Poderemos cair na violência sexual, ficando enredados no horror do abuso aos vulneráveis.

Se enfrentarmos esta crise terrível com coragem e fé, então poderemos precipitar a renovação da Igreja. Poderemos descobrir os mandamentos de Jesus não como um fardo que esmaga, mas como um convite à amizade com Ele. Poderemos libertar-nos de formas prejudiciais de utilização do poder na Igreja, que têm as suas raízes no secularismo, e tornar-nos mais como o Cristo que era pobre e humilde de coração, e encontraremos descanso para as nossas almas.

 

Este texto é um excerto de uma palestra proferida por Timothy Radcliffe, ex-provincial dos Dominicanos ingleses, ao clero da diocese de Dublin, recentemente abalada por uma crise de grandes proporções devido a abusos sexuais sobre menores.

 

Trad.: Filipe d'Avillez
© SNPC (trad.) | 13.01.10

Foto
Interior da Catedral de S. Patrício
Dublin, Irlanda















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